domingo, 30 de março de 2008

"Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás da porta"
Oswaldo Montenegro


Deixa em cima dessa mesa aquele pedaço de papel em que você se despediu, mas feche a porta ao sair, pra eu poder ter certeza de que você se foi pra não mais voltar, pra que eu não corra o perigo de te procurar.
Dê-me às costas e então, não olhe pra trás, não dê nenhum último sorriso ou diga "Desculpe, meu amor." O seu sorriso, agora, é algo que me dói, algo que eu não gosto de ver nem de lembrar, aliás, as lembranças se tornaram minhas maiores inimigas. As suas palavras de consolo pro que você acaba de fazer, ao contrário do que pensa, não consolam mais, não me confortam. Essas frases soltas me soam ocas, clichês como qualquer bom dia dado sem atenção.
Faça-me o favor de levar todas essas nossas fotos consigo, pra que elas não acabem recortadas ou jogadas na lata de lixo. Leve também aqueles vasos de plantas que você tanto gosta de enfeitar a casa. Hoje, a casa não vai ficar enfeitada, não há motivos pra isso. Leve também, se quiser, aquele seus potes de café descafeinado que, eu nunca disse, mas sempre odiei. Leve tudo que quiser, tudo que me lembre a gente, o que vivemos, mas deixe por favor, a sua chave de casa. Essa, faço questão de manter longe de você.
Ao sair, quero olhar pra essa casa e me lembrar que ela agora é só minha de novo, do jeito que eu sempre quis, com os objetos nos lugares certos, sem ter que me preocupar com as suas bagunças, com suas manias estúpidas, com seus gostos excêntricos. Assim como agora, também quero olhar pra mim e ver que sou só minha de novo, sem ter que me lembrar de que tem alguém que espera por mim, que mantém expectativas dos meus atos, que se preocupa comigo. Gosto de pensar que estou de novo no comando. Quero, agora, viver pra mim e pra mim só.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Ali, no meio da sala vazia ele observava um objeto com forma de um cubo. Estava ali já há alguns minutos parado e mesmo assim ainda naum conseguira entender o que era aquilo.
Talvez, pensava ele, isso seja um banco. Não, muito simples e decorado demais pra ser somente um banco. Quem sabe então seja um cofre. Não, não vejo qualquer tipo de tranca ou cadeado. Será que é algum tipo de bomba? Não, não poderia, não se parece nada com explosivos ou qualquer coisa do gênero. Quem sabe isso não seja um embrulho? E o que realmente importa esteja lá dentro? É isso!
Mas o que será que há lá dentro? Ele rodeou o objeto, começou a imaginar o que haveria lá dentro.
Talvez objetos valiosos que alguem escondera, talvez bugigangas de mudança que alguém esqueceu, talvez um presente, talvez roupas velhas, talvez cartas esquecidas, talvez fotos antigas, talvez, talvez...

Estendeu a mão, puxou o objeto pra si. Não era pesado, não fazia nenhum barulho. Sacudiu. Nenhuma reação, nenhum sinal do que era aquilo. Parecia não ter nada dentro. E era melhor não danificar nem fazer movimentos bruscos demais, o medo do desconhecido o fizera mais cauteloso. O que quer que fosse, pensou, ele nunca chegaria a descobrir, então o medo e o cansaço venceram a sua curiosidade. Resolveu esquecer aquele objeto e seguir seu caminho.
E seguiu em frente.
Por algum tempo a curiosidade ainda lhe incomodava, durante muitos dias e noites ele gastou horas pensando se deveria ter desistido tão fácil, se fora covarde, se o objeto seria importante, se seria de alguém, se esse alguém o procurava. Mas o tempo fez o favor de calar suas dúvidas, pode-se dizer que depois de se passado muito tempo, ele esqueceu o objeto. Mas o tempo não só o fizera esquecê-lo mas também entendê-lo. No fim, entendeu ele, aquilo era somente uma caixa. Uma caixa e nada mais.


"Quanto mais simplicidade
Melhor o nascer do dia"
Pato Fu

domingo, 23 de março de 2008

Sobre hipocrisia e babaquice

Chega!
Vamos parar de hipocrisia. Não quero mais fingir que o mundo é um mar de rosas que eu quero enxergar, porque ele não é, nunca foi e nunca vai ser. Quero parar de calar os gritos que eu mantenho assim, em silêncio, latejantes. A partir de hoje eles vão sair quando quiserem, onde quiserem e com a intensidade necessária. Vamos parar de acreditar que a gente consegue se enganar. Vamos começar a quebrar aquele muro erguido em torno da casa. Aquele muro que fazia dessa moradia uma espécie de fortaleza e, só assim, você vai começar a ver o quão podre essa casa é, o quanto as paredes são frágeis e vulneráveis ao tempo ou a qualquer mudança drástica demais.
Você vai ver que a farsa pode modificar a fachada, mas por dentro, a casa continua podre, com aquele cheiro de mofo horroroso que você não suporta, com as portas corroídas e as janelas em pedaços. Com os retratos aos pedaços jogados no chão, e as cartas borradas de qualquer tipo de bebida barata que poderia ter caído nelas durante uma noite de revolta.
E daí, quando a muralha cair e você descobrir que aquela moradia não é uma fortaleza, você vai olhar pra tudo que construiu acreditando na fortaleza, que agora não existe mais. O que está ali na sua frente são apenas cacos. Cacos da sua incrível realidade.

sexta-feira, 21 de março de 2008

"E que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos nem a boca
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe, seja linda, ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tenção que me corroe por dentro seja um dia recompensada

Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia, e a outra metade é canção
E que a minha loucura seja perdoada,
Porque metade de mim é amor, e a outra metade...
Também!"

Metade - Oswaldo Montenegro


sexta-feira, 14 de março de 2008

Primavera

O sol lá fora está brilhando de um jeito afetado, o céu azul tira qualquer esperança de um dia chuvoso e nublado. Aqui do quarto andar, quase posso ouvir as vozes felizes das pessoas no parque ao lado. É primavera. Que afronta! Me recuso a participar dessa euforia em que tudo se transforma em meio a plantas floridas e casais apaixonados. Pela primeira vez ao acordar, fiz questão de manter a casa toda fechada, as janelas me protegem da idéia de que lá fora existem risos demais, alegria demais, crianças demais. Ah, as crianças! Hoje, não suporto nem a idéia de que elas existem, de que elas me confrontam. O ar abafado do meu quarto me deixa à vontade comigo mesma, entra em comunhão com meu estado de espírito e me faz esquecer a sensação de estar fora do conjunto de pessoas primaverianas. Dentro da minha casa eu mando no clima e no tempo. Hoje os minutos estão voando, o que eu vejo é uma densa neblina sobre o quarto, salas e todo resto e que me impede de ver qualquer coisa que eu não queira, bloqueia os pensamentos que eu venho lutando pra deixar longe. Tudo que necessito agora é simplesmente não me mexer, movimentos demais podem dissipar toda essa farsa e eu não suportaria primavera. Não hoje, não agora.


"Não quero me lembrar de você como alguém que me fez mal
Teremos coisas boas pra contar
Mas hoje não vai dar pra ser..."
Tihuana

sábado, 8 de março de 2008

Vento, ventania II (Continuação)

http://oinsanoeosutil.blogspot.com/2008/01/vento-ventania.html


Porém, a fraqueza que lhe sobrava não era maior que sua curiosidade e sua esperança de que a brisa não fosse o vendaval que ela achava que era. A cada movimento de volta à janela ela se perguntava se deveria arriscar, se seria seguro colocar sua casa à mercê do tempo.
Um dia, então, ela resolveu desafiar os outros, desafiar o vendaval que tinha varrido sua coisas há algum tempo, resolveu desafiar a si mesma. Mais uma vez olhou pra cada móvel, pra cada livro na estante, cada objeto em seu lugar, a casa estava impecável. Belo trabalho eu fiz, pensou ela. Então, cuidadosamente ela se dirigiu à janela, ainda com medo abriu uma, duas, três... Sentiu de novo a brisa da manhã batendo no seu rosto, sentiu o perfume da chuva que havia caído durante a noite, sentiu a leveza das flores da primavera. O sentimento era tão sublime que resolveu abrir as portas também, e assim sua casa estava de novo cheia de vida, leve, brilhante, luminosa.
Quase não querendo se render ao fim da manhã a tarde chegara de novo, ela não podia deixar de esconder o medo que sentia a cada minuto que se passava, mas então, já no meio da tarde decidiu se despreocupar, talvez a tarde não fosse mais ameaçadora, talvez a brisa realmente não fosse a causa do vendaval antes presenciado por ela.
Ela se jogou no sofá, se deliciou em novamente poder se sentir leve como agora, ela poderia voar se quisesse, poderia cantar, poderia não mais se preocupar em arrumar a casa, ela gostava do jeito que estava agora.
Mas nós sabemos que não podemos nos deixar tão vulneráveis, nós sabemos que confiar demais em algo que um dia já nos destroçou pode ser um erro irremediável e foi quando ela se jogou no sofá que algo aconteceu. Pela segunda vez, ela sentiu a brisa leve indo embora, sentiu de novo a força de um vento que ela conhecia bem, mas não podia acreditar. Será que ele novamente vai destruir tudo? Vai destruir minha casa que arrumei com tanta dor e sofrimento?
Mas o vendaval não se importava com a casa, não se importava com os móveis, muito menos com o tempo que ela passou arrumando tudo que tinha sido desarrumado da última vez que ele passara por ali. E ela viu mais uma vez tudo ser jogado ao chão, viu todas as suas coisas serem amontoadas com uma falta de consideração que lhe causou desprezo, não só pelo vento que agora passava por ali, mas pela brisa, que lhe fizera acreditar que poderia ser diferente pelo menos por uma vez.
Então ela simplesmente ficou ali, vendo sua casa desmoronar, vendo todo seu trabalho de reconstrução ser jogado no lixo, então esperou, esperou que o vendaval passasse e quando ele passou ela não se lamentou, ela não praguejou, ela não se culpou por ter acreditado mais uma vez, ela somente se levantou e fechou de novo as janelas e as portas, sua casa voltara a ficar escura de novo. Ela olhou pra toda aquela bagunça, suspirou fundo e tentou achar as mesmas forças que lhe fizeram reconstruir tudo uma vez e então colocou o primeiro livro de volta na estante. Uma lágrima pesada e solitária desceu pelo seu rosto e com a mesma rapidez com que veio desapareceu também. Não há tempo a perder com lamentações, ainda há muito trabalho aqui, pensou ela.

sexta-feira, 7 de março de 2008

"Na verdade o nada é uma palavra
esperando tradução..."
Engenheiros do Hawaii




Essas linhas aqui escritas são a maior tradução do nada. Mas não o nada como um branco de pensamento, ou a falta de palavras no meio de uma explicação, ou o vazio de sentimento. Esse nada aqui escrito é a conseqüência de um tudo. De tantas coisas querendo ser expressas ao mesmo tempo que a única coisa que fica realmente visível é uma mistura de palavras e pensamentos numa desordem magistral.
É o nada cheio de qualquer coisa que se possa imaginar, é o nada que te incomoda por ser justamente tudo aquilo que você não queria na vida. Aquilo que você joga fora mas ele teima em voltar mostrando o quanto você é fraca. Um nada que ocupa o maior espaço da sua cabeça enchendo-a de pensamentos inúteis.
Um nada que não tem origem e você nem sabe se vai ter fim.
Afinal, quem sabe definir o nada?
Não, não... O nada não é algo escuro muito menos a falta ou o vazio. O nada é algo cheio, entupido, encrostado de tantas coisas que desse tudo a explicação simplesmente não faz sentido e quando alguém te pergunta o que você tem a resposta é a mais sincera e simples possível: NADA!

quarta-feira, 5 de março de 2008

"Tudo tem que ser bem de leve para
eu não me assustar e não assustar os
que amo.
Pedem-me pouco, pedem-me quase nada.
O terrível é que eu tenho muito para dar
e tenho que engolir esse muito e ainda
por cima dizer com delicadeza : obrigada
por receberem de mim um pouquinho de mim."
Clarice Lispector

Sem textos por hoje, para não assustar a mim mesmo e aos outros.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Garoto de aluguel

" Quanto tempo falta
Para lhe esquecer
Quanto vale um homem
Para amar você..."
Zé Ramalho



Vista logo sua roupa, pegue seu dinheiro e vá embora. Feche a porta quando sair pra que eu possa ter certeza de que eu ficarei sozinho e não se dê ao luxo de se preocupar, eu sempre me dei bem com a solidão. Mas não com essa solidão que você está acostumada, essa solidão a dois. Por isso não te quero aqui por nem mais um segundo, pra ficar sozinho prefiro eu e minha garrafa de vinho, minhas músicas clichês.
Saia logo antes que eu desmorone, antes que eu não consiga mais esconder as minhas fraquezas, antes que você comece ter pena de mim. Não escondo que já cheguei a ter pena de você, a ter pena do que você faz, mas hoje sinto mais pena de mim. Sinto que sou ainda mais sujo e vulgar do que você, porque prezo o mesmo papel que o seu só que sem receber nada em troca, seja em dinheiro, seja em afeto. Agora que você está indo embora, agora que me deu as costas e fechou a porta sinto o quanto você é maior que eu, o quanto é mais forte. Pois consegue ir embora sem olhar pra trás, sem que haja sempre uma maldita corrente que te amarre aos seus tantos amantes da noite. Eu não, eu não consigo ir embora, eu não consigo sequer me levantar, quanto mais deixar de olhar pra trás. Você pega seu dinheiro e vai embora sem deixar nada de você, sem levar nada dele. Ao contrário de mim, que fico sempre ali, sentado esperando a minha recompensa, talvez quem sabe o mínimo de gratidão, enquanto eu vejo ela que, assim como você, se veste, fecha a porta e se vai sem um beijo de despedida, sem sequer um "Até a próxima vez".
O fato é que a maior diferença entre nós dois é que você se vai, mas se um dia eu voltar a te procurar, você não vai se negar, vai ficar satisifeita, afinal é sinal de que seu trabalho atingiu o objetivo desejado, mas eu não, eu sei que quando ela voltar a me procurar, eu também não vou negá-la, mas não ficarei satisfeito, eu sei que novamente vou ser usado, e vou criar expectativas e esperanças, vou ver mais uma vez ela indo embora e me deixando aqui com esse eterno buraco que nos separa: a razão.