quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Simplicidade

"Daqui a dez minutos talvez eu enlouqueça"
Ana Carolina


Sabe, você passou a vida inteira procurando sempre algo mais, passou todos os minutos perseguindo objetivos que, ouso a dizer, sempre foram alcançados. Você agora estufa o peito e conta todas as suas conquistas, esbanja inteligencia e persistência, mostra a todos o quão longe é capaz de ir e sabe que qualquer obstáculo é pequeno demais pra você. Mas eu vejo daqui, eu consigo ver que tudo isso não é o bastante. Hoje está aí em cima e todos olham pra você de um jeito diferente, você conseguiu o respeito da sua família, conseguiu obter a admiração daqueles que duvidavam de você e o orgulho daqueles que sempre acreditaram que conseguiria. Mas depois de tudo isso não era suposto que o sorriso que agora vejo no seu rosto fosse menos melancólico? O que houve com aquele menino de sorriso mole, que conversava besteiras nas tardes de domingo jogado na rede da minha casa? O que aconteceu com toda aquela vontade de viver, de ter uma familia grande, de nos encontrarmos sempre, de nunca deixar o tempo levar embora a amizade? Não, isso não é cobrança, mas sinto que você não fala mais com tanta naturalidade como antes, não sinto aquela sinceridade no olhar e nas palavras. Lembra de como era fácil passarmos dias junto com as mesmas pessoas conversando horas e horas sem se cansar? Lembra de como era divertido passar os fins de semana sem fazer nada além de comer pipoca e ver filme? Hoje nós sentimos falta exatamente das mesmas coisas, das mesmas pessoas, das mesmas noites discutindo coisas sem sentido nenhum, mas que faziam a barriga doer de tanto rir. Mas acho que você teve que ir longe demais pra perceber que tudo que queria já estava aqui, bem na sua frente. Eu não tive a experiencia de vida que você teve, não vi tudo que você viu, não conheci tantas pessoas que você conheceu, nunca ganhei um prêmio, nem mesmo na escola, nunca fui o melhor em coisa alguma, mas e daí?? Você teve que percorrer quilômetros e mais quilômetros pra perceber que não havia mais no mundo do que a simplicidade que vivia.
E então agora? A simplicidade ainda está aqui de fora, ainda temos os mesmos sentimentos, as mesmas saudades, ainda somos capazes de nos encontrar e conversarmos como se todos os anos não tivessem passado e você sabe que isso nunca vai deixar de existir. E quando você vier, com aqueles brilho nos olhos e com aquele sorriso largo vai perceber que aqui nunca deixou e nem vai deixar de ser o seu lugar.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Metade

Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.




É tudo sempre muito intenso aqui dentro. As dores, as alegrias. A saudade dói assim como a alegria de tantas descobertas. Dói querer voltar, dói querer ficar. Dói sentir tanta falta daquilo que se foi e também dói em saber que tantas coisas ainda irão. Dói sempre transbordar tanto sentimento ao mesmo tempo, ter a cabeça tão cheia de nada e também de tanta informação e o coração cheio, cheio, cheio.
Sou agora metade: metade aqui, metade lá. Quero deixar metade de mim aqui quando partir, ao mesmo tempo que quero metade lá.
Sou saudade, alegria, deslumbre, melancolia e paixão.
Consegue imaginar algo tão incompleto e ao mesmo tempo tão cheio?