terça-feira, 29 de julho de 2008

"(...) e mais do que falar, preciso dizer.
Mas as palavras não dizem tudo, não dizem nada. "
(Meio Silêncio, Inventário do Ir-remediável - Caio Fernando)



Curioso é o poder da decepção.
Os heróis perdem sua capa, os reis suas coroas, os mestres sua devoção, os crentes sua fé e os amantes, ah, os amantes!
Esses, perdem sua admiração!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Perfeição

Alice era daquele tipo de pessoa que gostava de viver das mentiras.
Fossem mentiras que ela mesma inventava pra si, ou daquele tipo de "mentiras sinceras" que diziam pra ela.
Pra Alice, sua vida era perfeita em tudo. Como não tinha trabalho, a casa a ocupava o dia todo. Não havia casa como aquela. Nada ficava fora do lugar por mais que alguns minutos, não havia pó nas estantes e nem em qualquer outro lugar, o guarda-roupa era todo dividido por ocasiões, cores, estações do ano.Aquela era uma casa que beirava à perfeição.

Seu marido, gabava ela, era o típico executivo bem sucedido, ficava a maior parte do tempo trancafiado dentro de um escritório, na frente de um computador, tomando decisões importantes, pensando em lucros e porcentagens.

Ela passava o dia todo fazendo coisas que poderiam agradá-lo. Além de arrumar a casa, ela fazia as compras, o jantar, sempre pensando nos gostos do marido. Hoje era um dia especial, pensou ela. Afinal, dois anos juntos eram muita coisa. Saiu às compras. Comprou um vinho tinto, seco, caro. Com certeza ele gostaria. Velas, frutos-do-mar, vestido curto vermelho, sandália nova. Passou horas no cabelereiro e fez um retoque geral, cabelo, unhas, sombrancelha, maquiagem.
Saiu de lá prestes a explodir de tanto entusiasmo. A noite não poderia não ser perfeita.
Em casa, arrumada, mesa posta, velas acesas, perfume francês no decote, Alice esperava. Ele não demoraria à chegar.

Mas ele não lembrara dessa data, não lembrara dos dois anos, aliás, não lembrara nem do primeiro mês. Sempre fora assim, ele deixava o assunto do relacionamento dos dois para que Alice cuidasse. Ele se preocuparia só com as contas de casa, com os problemas do escritório. Assim, ele nunca enxergou problemas no seu casamento, nunca teve uma só discussão com Alice, melhor casamento ele não poderia encontrar.
E hoje, excepcionalmente hoje, noite de sexta ele resolveu sair com os amigos, tomar um chopp, falar mal do chefe e dos investidores gringos que estavam de visita.

Alice esperara, uma, duas, três horas até que pegou no sono, ainda com o pensamento na cabeça: "Ele já está chegando, deve ter tido algum problema no trabalho. Sempre muito ocupado coitado!" Quando chegou, Léo a encontrou jogada no sofá, maquiagem impecável, mas os cabelos já desgrenhados, esperava há muito tempo!Olhou pra mesa, as velas já apagadas, só o toco. Jantar frio, vinho quente.Lembrou-se dos dois anos, mas não quis acordar Alice. Pensou:"Tudo sempre tão perfeito! Coitada!"
Ele a carregou pro quarto e deitou-a na cama, tirou as sandálias, sentiu o aroma doce que vinha dela.Quis acordá-la, quis dizer o quanto sentia, o quanto ela não merecia aquilo, o quanto ele era desmazelado com tudo, o quanto ele já não mais pensava nos dois, e isso doía. Mas ele não conseguia explicar. Não conseguia dizer o quanto se sentia melhor com os amigos do que em casa. Não conseguia dizer à ela o quanto ele se incomodava com toda aquela perfeição em volta, com toda aquela pressão em cima dele. Omitia palavras, gestos e ações pelo simples fato de não querer que tudo aquilo se desmanchasse, como numa peça de teatro as falas eram dispostas cuidadosamente para que não quebrasse a mágica, aquela mágica perfeição.E então ele a deixou lá, tirou a mesa, lavou as louças e foi se deitar tentando se livrar daquela angústia, por que ele sabia que amanhã ele inventaria uma desculpa sobre como ele trabalha demais naquela empresa e que não pôde chegar mais cedo, mandaria flores pra ela e ela entenderia. Alice sempre entendera.
A compreensão era, ali, o primeiro passo para a perfeição.

domingo, 20 de julho de 2008

Opostos

Como olhar o seu oposto é assim que me vejo em você.
Como o antagonismo que sempre incomoda os que necessitam da perfeição e da harmonia da combinação.
Logo eu, que odeio rimas e métricas, gosto de tudo assim embaralhado e jogado formando uma nuvem de confusão não consegui enxergar a linha lógica da sua confusão.
Essa mistura de querer e não querer é algo muito irracional pro meu querer sempre explicar.
A minha necessidade racional de explicação se perdeu meio à palavras meio ditas, ações contraditórias.
Contraditório, oposto, antagônico.
É me parece que é assim a sua linha lógica.
O correr contra a maré e contra você mesmo.
Se escondendo meio a perguntas não respondidas e esquecidas num baú velho e desbotado.

O oposto do amor, da razão, de mim.
O oposto de qualquer explicação que eu possa dar.
O oposto do que eu sinto.

E ainda insistem em sustentar o velho e caduco bordão:
"Os opostos se atraem"




"... és meu oposto,
mas se por amor confundes e libertas
o caos de tudo e de todos,
por amor eu tento tocar mais fundo,
procurando um vôo
que não conseguiria jamais num amor menor".
(Caio F. Abreu, Dodecaedro)





sábado, 19 de julho de 2008

Sobre qualquer coisa assim

"Saudade de te ter sem te sentir, sem ter sentido, sem saber. Saudade de te ser sem ser lembrada, de saber te ter comigo sem chorar, sem ter sentido. Saudade de te saber antes de tê-lo sentido. Saudade de você como era quando eu me esqueci do rosto dos seus amigos. Quando eu te sabia pouco e só.
Quando eu te conhecia mais que a noite, mais que o álcool, mais que você mesmo."
Laís


Saudade de quando você era mais do que um corpo e só.
Essa sutil diferença entre uma pessoa e um corpo qualquer, entre diversão e sentimento.
Sim, eu sei. Um corpo poderia te suprir uma necessidade, um imediatismo, mas não a sua carência, nem a sua falta de afeto.
Um beijo pode ser prazeroso, mas um abraço pode ser muito mais se ali não estiver somente dois corpos, e sim duas almas, um coração.
Piegas não?
Não!
Não misture pieguismo com sentimentalismo. Mas se você é daquelas pessoas que não sabe a diferença, a sutil diferença, entre o piegas e o sentimental, entre um corpo e um coração. Você não precisa continuar a ler esse texto. Você provavelmente vai terminar de lê-lo e resmungar: "Dor-de-cutuvelo!"
Dizem que as coisas mais bonitas são aquelas escritas assim, à flor-da-pele, com os sentimentos à prova. E sim, que seja dor de cutuvelo ou o que for. E mesmo assim esse texto não vai passar a ser bonito ou admirável e eu nem pretendo que essa seja seu objetivo.
O objetivo desse emaranhado de palavras vomitadas numa página de internet, que menos de meia dúzia de pessoas vai ler, é arrancar essa parte feia e defeituosa de uma pessoa nada perfeita. É tirar um peso nas costas e um nó na garganta.
Um desabafo.
Um desabafo de coisas que já foram ditas milhões de vezes.
Um desabafo de frustração por estar de mãos atadas e coração aos pulos.

Quando tudo já foi dito, quando não há mais nada que fazer, quando você se sente perdida em si mesma, quando você quer mais que corpos, mais que frases displicentes e ações inconsequentes.
Quando você quer mais.
Mais.
Mais.

Mais de mim, de você, de nós.
Mais amor.

Entende?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

"Mas sabes principalmente,com uma certa misericórdia doce por ti,por todos,que tudo passará um dia,quem sabe tão de repente quanto veio,ou lentamente,não importa.Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva.¨
Caio Fernando(Natureza Viva,Morangos Mofados)

Belo, vivo, intenso e também insuportável. Insuportável por não conseguir te ver partir e ao mesmo tempo querer que você se vá. Por mim, por você, por nós. Apesar da primeira pessoa do plural nunca ter realmente existido, voltarei a me contentar com a primeira, de novo, no singular.
O singular em toda sua simplicidade e harmonia me parece estranho e incompleto. Me faltam palavras na boca e sobram vazios no coração.
Entre sobras e faltas, me falta o equilíbrio.