sexta-feira, 27 de março de 2009

Vontade

E você se sente estranha.
E você sabe exatamente por que você se sente estranha.
E você não quer admitir, por que admitir que é fraca pra si mesma já é uma tarefa difícil, quanto mais deixar isso visível pros outros.
E você então tenta fingir que tudo está normal, mas quanto mais finge, mais artificial fica.
E você começa a se sentir superficial, oca, rasa. Como se fosse inteira casca sem recheio, sentimentos sem intensidade, vontades sem fim.
Quando se sente inteira falta, as vontades começam a nos dilacerar.
Se começa a querer tantas coisas e a sentir tanta saudade, mesmo de coisas nunca vividas, nunca sentidas. É como se você soubesse quanta falta aquilo te faz, mesmo sem nunca ter experimentado. É como querer ser tudo ao mesmo tempo, querer sentir tudo, mesmo que tanto sentimento lhe transborde pelos olhos e ouvidos.
E que transborde sentimentos e que transpire paixões e saudades.
Se falta intensidade aqui dentro, sobra vontades aqui fora.


"E é só você que tem
A cura do meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi."
Legião Urbana

sexta-feira, 20 de março de 2009

Do português:
obcecado adj m
1. teimoso
2. insistente
3. que tem idéia fixa, obsessão


Do latim:
obsessão subst f
1. obsessĭo, -ōnis.


Do mundo:
Eu!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Sempre mais.

Um dia me disseram que não se pode prender borboletas. Que elas são tão ligadas à liberdade que não suportam o confinamento e logo morrem. Mas nunca tinha entendido o propósito de se prender uma, não até agora. Pra mim as borboletas quando confinadas perdiam sua beleza, o charme da sua dança entre flores e raios de sol. Só que existem borboletas e borboletas, cada uma com sua cor, seu tamanho e seu bater de asas. Cada uma com o poder de enfraquecer o coração de qualquer desprevenido.
Confesso que nunca fui uma pessoa muito prevenida, nunca gostei de vestir muitas couraças. A nudez da alma é uma exposição pela qual se paga caro, não há muralhas para serem erguidas e o peso a se carregar é menor, mas essas mesmas muralhas são as que nos protegem, nos deixam menos vulneráveis. E foi exatamente pela falta dessas muralhas que uma coisa colorida, qualquer coisa entre o azul e o verde com detalhes pretos me jogou no chão, sem qualquer chance de defesa, muito menos de fuga.
Durante vários dias as horas passadas ali olhando aquele ser de quase 5 cm eram as melhores horas do dia. Era fascinante ver como as cores misteriosamente se fundiam dependendo do ritmo do bater de asas, ou do ângulo que os raios de sol incidiam, ou das flores em que ela estava. E então quando ela resolvia dar um presente maior do que a sua simples visita, ela me pousava na mão e ficava ali por alguns simples segundos. Mas era o bastante pra me fazer prender a respiração e querer quase evitar os batimentos do coração. E depois disso ela ia embora e me deixava ali, o coração disparado, a respiração ofegante. Quase como se tivesse corrido 10 km. Quase como se quisesse voar com ela.
Mas então chegou o dia em que somente as suas visitas já não eram o bastante. Era necessário mais do que somente ver aquela maravilhosa dança entre o meu jardim. Eu passei a querê-la pra mim, passei a desejar que ela somente existisse para o meu jardim e para o meu olhar. Passei ainda vários dias me lembrando do que me disseram um dia.

...não se pode prender borboletas. Elas são tão ligadas à liberdade que não suportam o confinamento e logo morrem.

Mas eu não me importava mais com isso. Eu queria que ela fosse só minha e pronto. Nem que fosse por um só dia. Um só dia com ela e eu a deixaria ir, sem ter que voltar mais ao meu jardim.
E então eu esperei. Esperei que ela viesse de novo pra mim, que pousasse na minha mão. E então a prendi. Tive o cuidado de preparar o melhor cativeiro que uma borboleta poderia estar. Era quase como uma aquário. Um aquário para borboletas.
E então cada minuto que ela esteve ali, existindo pra mim, batendo as asas pra mim, fazendo aquela dança que me hipnotizava, eu também existi pra ela. Eu também mantive meus olhos somente pra ela. E como pra contrariar o momento, as horas passaram mais depressa do que eu pude notar. Logo já tinha anoitecido e eu tinha prometido a mim mesma que iria soltá-la. Não queria que ela morresse. Isso seria ainda pior do que não vê-la mais.
E então a deixei ir. E ela voou, voou por entre a noite até que eu não pudesse mais enxergar.
Antes de prendê-la, cheguei a pensar que depois de tê-la pra mim por um dia inteiro, eu teria me satisfeito. Que eu acabaria com aquela obcessão que me consumia horas do dia. Mas o que eu não imaginava é que eu ficaria ainda mais obcessiva. Aquele dia inteiro passado com ela ali tinha me feito tão bem, tinha enchido a minha casa de uma felicidade e de uma paz que eu não via há muito tempo.
Agora eu penso em cada minuto naquelas 3 cores. Penso em cada instante como seria se ela aceitasse viver pra mim também, assim como agora eu vivo pra ela. E eu fico aqui, olhando da janela as flores do jardim. Vejo algumas vezes que ela ainda passa por ele, não se demora mas ainda sim se mistura às minhas tulipas brancas.
Fico aqui observando enquanto não descubro uma maneira de trazê-la pra mim.
De trazê-la pra sempre.