segunda-feira, 16 de junho de 2008

A caixa

Estava ali na loja há horas e ainda não conseguira encontrar a caixinha que me agradasse.
Aquela era a loja onde qualquer mulher se fascinaria. Dentro dela havia centenas de prateleiras com caixinhas de música, presentes, porta-jóias ou pra qualquer outra coisa que alguém seria capaz de imaginar. E eram tantos os detalhes, os desenhos e enfeites que dava a impressão de estar dentro de um livro de conto de fadas.
Já havia visto caixinhas dos mais variados tipos, que tocava música, que brilhava, com espelho, perfume, flores. E a cada prateleira que andava tinha cada vez mais certeza de que nunca conseguiria se decidir sobre qual delas levar. Enquanto andava pela loja, vi chegar uma garotinha com a sua mãe. Pelo brilho no olhar da garota, estava claro que era a primeira caixa que ela ganharia e, acredite, isso é um marco pra qualquer garota naquela idade. A mãe deixou a menina andar pela loja e escolher qual delas levaria enquanto conversava com uma outra amiga no balcão.
Pensei ao ver a cara de felicidade estampada na garota em quanto tempo ela levaria pra escolher. O quão ela não ficaria fascinada por cada caixa diferente em cada estante que passasse. O tamanho da vontade que ela não teria de levar todas.
Era assim que eu me sentia.
Voltei-me pra caixa que segurava na mão. Ela era azul brilhante como o céu, com estrelas que reluziam de uma forma que me hipnotizava. Mas aquela menininha naquele exato momento me fez esquecer de qualquer que fosse a caixa ou estampa. Em menos de 10 minutos ela havia voltado ao balcão com uma caixa na mão. Ela já havia escolhido seu presente.
Ao olhar pra ela não acreditei. Era uma caixa de madeira fosca, sem cor ou brilho algum. Sem qualquer tipo de estampas que as meninas sempre adoram, ou animaizinhos fofos. Era uma caixa simples, apenas com uma rosa em cima. Uma rosa vermelho vibrante.
Assim como eu, sua mãe ficara estupefata com a escolha da menina e então virou-se pra ela:

- Isadora! Tem certeza de que é essa que você quer? Não vejo graça alguma nela! Há tantas caixas lindas e você me escolhe essa?
- Mas mãe, a beleza dela só eu posso ver!

Aquela caixa não era mágica, não tinha qualquer tipo de encanto ou algo especial. Era apenas mais uma caixa como as outras. O que a fazia diferente era como a menina a via. E ao pegar a caixa agora embrulhada pra presente eu conseguir ver nos olhso dela que nenhuma caixa por mais bonita e perfeita que fosse a satisfaria mais que àquela.

sábado, 7 de junho de 2008

Carta de despedida.

Não, eu não quero saber o por quê dessas suas atitudes tão insanas e duvidosas. O que eu quero é agradecer. Agradecer à você por me mostrar a cada dia que você não é, nem nunca foi, quem eu amei. Aquele ao qual amei, habitava o seu corpo numa espécie de personagem, no qual eu fiz e refiz várias vezes todas as qualidades e perfeições. Escrevia o roteiro das suas falas e organizava explicações plausíveis pra todas as suas outras ações tão inexplicáveis. Mas hoje, o palco caiu, a curtina se fechou, a platéia se foi. O personagem foi ruindo, ruindo até existir somente o pó e o cenário. Este no qual eu prefiro não me desfazer pois pode servir à outros personagens que talvez eu venha a criar. Já o pó, eu estou varrendo ele pra debaixo do tapete, pra que no futuro eu possa levantá-lo, olhar aquela sujeira e ver no que não se deve acreditar.
Sim meu caro, isso se deve inteiramente à você.
O personagem perfeito, envolto na redoma de vidro impenetrável e intocável, foi desfeito, sua redoma quebrada, o roteiro desmentido. E eu, durante esse desfeche, permaneço aqui sentada como expectadora que agora sou, assisto tudo com interesse e, confesso, achando um pouco de graça.
Nada como rir da sua burrice de outrora.
Nada como perceber a beleza da mudança.

Méritos seus e, somente, seus.

Att.
Clara

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Queria escrever aqui alguma coisa diferente das que sempre escrevo, mas já não mais tenho idéias. As coisas que quero dizer são as mesmas de sempre, os sentimentos causando as mesmas reviravoltas, quem sabe um pouco mais apimentados com desejo e mágoa. Já não sei mais como expressar. O meu corpo, fala e expressão estão inutilmente presos à mesma rotina e isso me parece durar séculos. E eu sinto, essas algemas são de espinho, espinho e falta de compaixão. E toda vez que eu tento me livrar delas, elas espetam e eu recuo. Recuo com medo de me machucar. Talvez seja isso, e quando eu não mais tiver medo de me machucar meu corpo, alma e mente estejam, realmente, livres de novo.



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Ausência

Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento,
do céu,
das aves,
das estrelas.
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.
Vinícius de Moraes



Um pouco mais: Vai - Ana Carolina